A tendência ao uso de Cannabis está associada a genes ligados ao comportamento impulsivo, obesidade, esquizofrenia e transtorno bipolar, entre outras características, de acordo com um estudo divulgado na segunda-feira (13) por pesquisadores da UCSD (Universidade da Califórnia em San Diego).
A pesquisa, publicada na revista Molecular Psychiatry, explorou as características genéticas de usuários casuais e frequentes de Cannabis, com a esperança de eventualmente identificar medicamentos e outras terapias para tratar ou prevenir o uso problemático de maconha.
O estudo contribui para um crescente corpo de pesquisas genéticas sobre o uso de Cannabis, enquanto formuladores de políticas e pesquisadores avaliam como equilibrar os benefícios e consequências da crescente popularidade da droga.
Uma das autoras principais, Sandra Sanchez-Roige, enfatiza que apenas uma pequena porcentagem das pessoas que experimentam maconha desenvolve um transtorno de uso de Cannabis, mas diz que os fatores de risco ainda não estão claros. O estudo é um dos poucos de associação genômica ampla a explorar características daqueles que se tornam dependentes, segundo a equipe, que incluiu pesquisadores da empresa de testes genéticos 23andMe e de outras três universidades.
“Ao estudar as bases biológicas de por que alguém pode usar Cannabis e depois desenvolver um transtorno, isso revelará algo fundamental e pode levar a novas terapêuticas”, diz Sanchez-Roige, pesquisadora do Instituto de Medicina Genômica da UCSD, em uma entrevista.
Por exemplo, dados genômicos poderiam identificar medicamentos existentes que podem ser úteis para tratar o transtorno do uso de Cannabis, dizem os pesquisadores.
Um transtorno do uso de Cannabis não é mortal como pode ser uma dependência de opioides ou álcool. Mas ainda pode perturbar a vida diária das pessoas, interferindo no trabalho, educação e relacionamentos, e alguns lutam para parar devido a náuseas e alterações de humor. Não há medicamento aprovado pela FDA (órgão regulador americano) especificamente para tratar o transtorno do uso de Cannabis.
Os cientistas sabem há muito tempo que a genética, juntamente com fatores ambientais, desempenha um papel substancial na dependência de substâncias, mas alertam que mais estudos são necessários.
Milhares de características genéticas podem afetar a vulnerabilidade de uma pessoa à dependência —e mesmo assim, o risco de ficar viciado pode ser apenas ligeiramente maior, diz Wayne Kepner, pesquisador de dependência da Universidade Stanford, que não esteve envolvido no estudo da UCSD.
Ele diz que os estudos dificilmente encontrarão um único gene —ou mesmo um grupo de genes— que cause dependência. “O cérebro é muito complexo, e a dependência não é apenas biológica ou neuroquímica”, diz. “É profundamente influenciada pelo contexto, estresse e ambiente social.”
O retorno real da pesquisa genômica e de dependência ainda está longe, alertam os pesquisadores, e o desenvolvimento de testes para descobrir quem está predisposto à dependência tem se mostrado uma questão espinhosa.
Pesquisadores genéticos criticaram a decisão da FDA de 2023 de aprovar um teste que pretende avaliar o risco genético de dependência de opioides, afirmando que o teste se baseou em ciência não confiável.
Vinte e quatro estados dos Estados Unidos legalizaram a maconha recreativa. O uso da droga, incluindo formas altamente potentes e mais fáceis de usar repetidamente ao longo do dia, proliferou entre faixas etárias, gerando preocupação de defensores da saúde pública, especialistas em dependência e legisladores sobre produtos de Cannabis mais fortes, mal regulamentados e com efeitos nocivos.
Em 2024, estima-se que 64,2 milhões de pessoas usaram Cannabis durante o ano anterior, de acordo com uma pesquisa anual do governo americano. Isso é um aumento em relação aos 53,2 milhões estimados três anos antes.
A pesquisa também relatou que, em 2024, cerca de 20,6 milhões de pessoas tinham um transtorno do uso de Cannabis, definido como um espectro de uso problemático que pode causar sofrimento ou interferir na vida diária. Isso também é um aumento em relação aos anos anteriores.
Pesquisas recentes sobre o genoma humano ofereceram pistas tentadoras sobre os padrões genéticos de pessoas que usam —e às vezes abusam— da maconha.
No novo estudo, pesquisadores da UCSD examinaram dados genéticos de quase 132 mil clientes da 23andMe que responderam a pesquisas sobre seu uso de Cannabis.
Um dos genes associados ao uso de Cannabis identificado pelos pesquisadores da UCSD está envolvido no desenvolvimento cerebral e na comunicação entre neurônios, e tem sido ligado a transtornos psiquiátricos como a esquizofrenia.
O coautor do estudo, Abraham A. Palmer, enfatiza que a associação não significa que a Cannabis cause esquizofrenia. “É apenas que existem algumas vias biológicas que podem ser comuns entre Cannabis e esquizofrenia”, diz Palmer, pesquisador da UCSD.
Outro gene está envolvido na sinalização entre células nervosas, particularmente no cérebro, e foi associado em estudos anteriores à personalidade impulsiva, obesidade e metástase do câncer. O gene também foi associado à frequência do uso de Cannabis, dizem os pesquisadores.
Uma análise secundária revelou 40 genes adicionais associados ao uso de Cannabis durante a vida e quatro ligados à frequência do uso da droga. O artigo afirma que 29 desses genes não haviam sido previamente associados a “características relacionadas à Cannabis“.
Os pesquisadores enfatizam que uma associação genética não significa necessariamente que um gene cause uma condição.
Um estudo de Yale publicado este mês encontrou uma correlação entre o uso de Cannabis durante a vida e características genéticas “relacionadas à abertura à experiência e à tomada de riscos, incluindo uso de substâncias e comportamentos sexuais”.
Uma análise anterior liderada por Yale dos genomas de mais de 1 milhão de pessoas, muitas delas veteranos militares, descobriu que certas variantes de genes estavam associadas a um risco elevado de desenvolver transtorno do uso de Cannabis. Essas variantes também foram associadas a um risco elevado de desenvolver câncer de pulmão, embora os pesquisadores de Yale, Daniel F. Levey e Joel Gelernter, tenham dito que mais pesquisas eram necessárias para separar os efeitos do uso de tabaco ou outros fatores.
Gelernter observa que as diferenças genéticas entre pessoas que usam maconha casualmente e aquelas que desenvolvem um transtorno representam uma quantidade estatisticamente importante de risco —mas muito pequena para aplicações no mundo real.
“Não é algo que esteja sequer se aproximando da utilidade clínica”, diz Gelernter. “Embora possa ser um dia.”