Thiago Cenjor, 45, fez oito anos de terapias por causa de uma lesão medular nas vértebras T6 e T7, “Foi necessário”, reconhece. Durante o processo, conviveu com mais pessoas com deficiência e teve duas namoradas fisioterapeutas: “já não era mais paciente delas”, conta.
O tratamento da lesão que o tornou uma pessoa com deficiência, decorrente de um tiro ao ser assaltado, inclui treino de usos da cadeira de rodas e sessões de fisioterapia. A rápida evolução fez com que sua passagem pela AACD (Associação de Assistência à Criança com Deficiência) durasse apenas três meses.
Marcelo Ares, médico fisiatra e coordenador médico da instituição, afirma ter diminuído muito o número de pessoas com deficiência fazendo tratamento a vida inteira: “os protocolos clínicos são bem estabelecidos no sentido de entregar o paciente para a vida normal.”
O médico faz um paralelo bem-humorado entre as condições em um centro de reabilitação, 100% adaptado e a cidade, com diversos problemas de acessibilidade. “Aqui no centro de reabilitação, é uma vida encantada”, brinca.
Thiago achou que precisava de mais terapia e por isso procurou uma universidade particular no ABC, onde mora, além de um tratamento especializado em São Paulo. Seguia as recomendações e tinha melhorias constantes. Até decidir parar.
“Meus pais tomaram um baita susto”, admite. O hoje piloto de kart adaptado explicou que sua intenção não era “ficar em casa, sem fazer nada”. Se fosse isso, “os pais certamente não deixariam”. Mas sim substituir as idas aos locais de tratamento pelo esporte e pela academia, práticas que ele mantém até hoje.
“Para entrar no kart, por exemplo, eu preciso me alongar, preciso manter a forma para ser piloto”, explica. Paralelamente às corridas, ele é palestrante motivacional.
No Brasil, segundo dados do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), 18% da população tem alguma deficiência. A pesquisa define a deficiência como um impedimento de longo prazo, dificultando ou impedindo a realização de atividades rotineiras, como subir uma escada ou ler um livro.
O analista socioeconômico do IBGE Jeferson Mariano afirma que houve uma mudança na forma de pergunta da pesquisa, permitindo identificar se a dificuldade é permanente ou não. “Nos outros anos perguntavam o grau de dificuldade e apenas no último censo, em 2022, nós passamos a incluir a expressão permanente”, explica.
Quando Thiago decidiu parar de frequentar consultas de reabilitação, já estava na idade adulta. Já existiam leis que fortaleciam os aspectos de inclusão, um movimento que começou na década de 1980. Muito antes disso, uma criança de sete anos comunicava com autoridade para os pais: “não quero fazer reabilitação”.
Essa criança era Ana Rita de Paula, diagnosticada com amiotrofia espinhal, uma deficiência congênita progressiva e rara. Para ela, a opção por reabilitação significava passar um bom tempo internada num hospital, impedindo uma vida com atividades normais.
“Eu queria viver, ter amigos, estudar em uma escola com pessoas com e sem deficiência”, diz. A decisão impactou em seu relacionamento com outras pessoas com deficiência: “Não conheci muitas até a faculdade”, explica.
Quando foi cursar psicologia, se deparou com vários vestibulandos com deficiência. Daí nasceram as primeiras conversas para a criação de um movimento social, que visasse garantir direitos para essa parcela da população.
“Em 1979, teoricamente não podia existir um movimento social, era ditadura, mas os militares não achavam que as nossas reuniões pudessem dar em alguma coisa”, afirma.
Como consequência da luta pelos direitos das pessoas com deficiências, nasceu a lei de cotas que determina um número mínimo de contratações de pessoas com deficiência nas empresas.
Foi por causa dessas contratações que Katya Hemelrijk acabou negligenciando as terapias. “Eu brinco que por um tempo me dei alta. Como é que você vai falar para o chefe que faz terapia no horário do trabalho, como fica sua socialização com os colegas?”, questiona.
Katia tem nanismo e uma deficiência congênita chamada osteogênese imperfeita, os chamados “ossos de vidro”. Como o nome sugere, eles se quebram com facilidade. “Desde criança eu faço hidroterapia e fisioterapia. Quando consegui o emprego, parei”, lamenta.
Se ela se sentia bem sem tratamento? Com certeza. “O que eu queria era acessar o mercado de trabalho”, confessa.
Mas a conta chegou. Teve pneumonia —sua deficiência também prejudica o pulmão— e por isso voltou a fazer fisioterapia respiratória. Segue trabalhando, é claro.
Ana Rita também não recomenda que as pessoas fiquem 100% sem reabilitação. “Órteses poderiam ter ajudado a corrigir algumas deformidades, mas eu só me dei conta disso depois”, lamenta.
Thiago afirma que pensa em voltar a fazer fisioterapia, por conta da dificuldade em realizar alguns alongamentos específicos. Hoje ele os executa com a ajuda de sua mulher. “Mas ela não é profissional da saúde, fica mais complicado. Eu tenho que procurar alguém que atenda meu plano”, explica.
Maurício Garcia, fundador da Sociedade Nacional de Fisioterapia Esportiva, alerta para o risco de regressão, principalmente em casos de interrupção precoce. O organismo tende a voltar aos padrões antigos, e isso pode gerar rigidez, dor e desequilíbrio muscular. Em situações cirúrgicas, há ainda o risco de comprometer o resultado do procedimento, pois o tecido cicatricial pode se formar de maneira inadequada, alerta.