Medo de radiação afasta mulheres de especialidades médicas – 23/10/2025 – Equilíbrio e Saúde

O medo da exposição à radiação é uma das barreiras para a entrada de mulheres em especializações como a radiologia, radioterapia, ortopedia e cardiologia hemodinâmica.

Isso porque os profissionais destas especialidades têm que lidar com frequência com exames que utilizam radiação ionizante, que em doses elevadas e repetidas, pode causar danos à saúde.

À Folha, médicas relataram ansiedades sobre impactos na fertilidade, gestação e câncer de mama, alegando que os equipamentos de proteção atual nem sempre têm o caimento e manutenção adequados.

Mas especialistas dizem que os equipamentos e normas de trabalho atuais, quando devidamente usados, protegem as mulheres destes riscos.

“É uma desinformação que infelizmente vem muitas vezes de dentro da própria faculdade de medicina,” afirma Cibele Alves de Carvalho, radiologista e conselheira suplente do CFM (Conselho Federal de Medicina) por Minas Gerais.

“A proteção radiológica é muito bem colocada nas resoluções da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) e a segurança do espalhamento de radiação por parte dos próprios aparelhos melhora a cada ano”, diz Carvalho.

Atualmente, as mulheres são maioria entre os médicos, mas apenas 39% dos radiologistas registrados junto ao CFM, e também 39% dos radioterapeutas, de acordo com dados do conselho. Na ortopedia, elas são 8%, e na cardiologia hemodinâmica, 6%.

A brasileira Gloria Salazar foi uma das únicas mulheres do departamento de radiologia do Massachusetts General Hospital, da Universidade Harvard, por 10 anos. Ela conta que participou de inúmeras bancas para seleção de residentes e fellows, nas quais recebia muitas perguntas sobre radiação.


“Assim que a gente entrava no meu escritório, as perguntas que mais me faziam eram: o que faz com a radiação? Como é que faz para ficar grávida? Você tem filhos?,” disse Salazar. “Eu fiquei grávida no meu segundo ano no hospital. Meu filho agora tem 15 anos. Está saudável, sem problemas.”

Salazar usou dois aventais de chumbo durante as primeiras semanas da gestação, até que a instituição mandou fazer um avental de grossura e tamanhos apropriados. Foi o primeiro avental para gestantes do departamento.

O caimento certo dos aventais de proteção, feitos de chumbo ou tungstênio, é discutido até hoje entre médicas do meio. Entre as principais queixas está o corte cavado na região abaixo da axila, que gera preocupações sobre o risco de câncer de mama. Muitas acabam investindo em seus próprios EPIs, que hoje custam entre R$ 6.000 e R$ 10.000.

Residente do terceiro ano de ortopedia e traumatologia da Universidade Federal de Goiás, Sarah Lourenço planejava congelar seus óvulos antes de começar a especialização. Seu medo não era a longa duração da residência, que poderia levar a uma gestação tardia, mas o impacto da radiação na qualidade dos óvulos.

A médica acabou não congelando as células reprodutivas, mas comprou seu próprio equipamento de proteção. Além de ter um caimento mais apropriado, ela poderia garantir que a manutenção de seu kit estava em dia.

“Muitas vezes os capotes dos hospitais públicos não passam por manutenção por muitos anos. Eu usava o capote do hospital certinho, mas não sabia se era confiável. Fizeram até um raio-x do próprio capote uma vez e perceberam que ele tinha um monte de falhas.”

A exposição à radiação no dia a dia dos médicos inclui exames, como mamografia e tomografia, e procedimentos intervencionistas, como a introdução de cateteres, que envolvem raios-x, explica Carvalho, do CFM. Os riscos para os profissionais estão relacionados à dose e qualidade da exposição, com uma quantidade máxima estabelecida por mês.

“O trabalhador tem que denunciar se existir uma falta de cuidado. Se estiver tudo certinho, é muito difícil ter problema”, diz a conselheira.

Estudos desde ao menos 2011 citam o medo das mulheres sobre radiação entre as principais causas de disparidade de gênero em diversas especialidades.

Entre os mais recentes, um de 2024 realizado por pesquisadores do estado americano de Minnesota concluiu que os riscos ao feto, considerando protocolos apropriados de proteção, são insignificantes.

Um outro estudo, de 2022 e realizado por diversas universidades americanas, mostrou que cirurgiãs ortopédicas nos Estados Unidos têm quase quatro vezes mais risco de câncer de mama do que a população geral de mulheres do país. Os pesquisadores discutem que diversos fatores, como gestação tardia e estilo de vida, podem contribuir para essa prevalência anormal.

Em nota, a Anvisa reconheceu que o embrião e o feto são mais radiossensíveis, especialmente nas primeiras semanas de gestação, mas disse que as normas brasileiras em vigor são eficazes para mulheres em idade fértil e prevêem proteção adicional para gestantes.

“A proteção da saúde dos indivíduos ocupacionalmente expostos à radiação ionizante é um dos pilares da legislação sanitária brasileira, em consonância com as melhores referências internacionais de segurança radiológica”, escreveu a agência.

Mesmo em meio aos receios, a radiologista vascular intervencionista Fernanda Uchiyama, do Instituto de Radiologia do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, disse que viu um progresso na igualdade de gênero em sua área nos últimos quatro anos, especialmente à medida que as estudantes se tornaram mais informadas sobre a radiação.

O exemplo das primeiras gerações de mulheres na especialidade, que conseguiram construir famílias em meio ao trabalho, também contribuiu para um maior interesse de alunas na especialização.

“Principalmente de 2021 para frente, a gente começou a falar um pouco mais sobre isso no Brasil, ter alguns trabalhos com dados mais precisos, que nos forneceram mais segurança,” afirma Uchiyama. “As mulheres estão se informando mais, se protegendo mais, quebrando algumas barreiras e desmistificando essa ideia da radiação ser tão deletéria”, diz.

Autoria: FLSP

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