Profissionais da saúde discutem como incluir fé e espiritualidade no cuidado clínico, sem proselitismo e com base em evidências.
Até que ponto a espiritualidade de alguém deve influenciar a maneira de tratar uma doença? As crenças de uma pessoa podem ter peso sobre suas decisões de saúde? Se a vida que adoece não é apenas química, mas também memória, esperança e crença, então essas perguntas importam.
No 1º Fórum da Comissão de Saúde e Espiritualidade do Conselho Federal de Medicina, realizado no último mês, esse tema ganhou centralidade. O encontro buscou transformar em diretrizes o que a prática clínica há tempos demonstra: um cuidado integral não pode ignorar aquilo que sustenta a esperança e dá sentido à vida do paciente. Para muitos, essa dimensão é a espiritualidade, seja ela religiosa ou não.
Os conselhos profissionais das áreas da saúde têm regulamentos éticos que visam a coibir o proselitismo religioso no espaço clínico. Entretanto, na ânsia de proteger a prática clínica de abusos, criou-se um silêncio em torno da espiritualidade.
É nesse contexto que surge a anamnese espiritual. Ela não pretende substituir exames, mas complementá-los. Assim como se pergunta sobre hábitos alimentares ou histórico familiar, torna-se legítimo indagar sobre a fé e as referências religiosas que ajudam o paciente a lidar com a doença.
A anamnese espiritual não é improviso. Há protocolos internacionais, como o Fica (Faith – fé, Importance – importância, Community – comunidade, Address – abordagem) e o Hope (Hope – esperança, Organized religion – religião organizada, Personal spirituality – espiritualidade pessoal, Effects on care – efeitos no cuidado), que ajudam profissionais a conduzir a conversa com clareza e ética. As respostas obtidas podem alterar decisões clínicas, favorecer adesão ao tratamento e indicar recursos emocionais valiosos.
Há muitos casos de pacientes que relatam terem sua fé recebida com desconfiança ou tratada como algo sem valor. Para alguns deles, essas crenças eram justamente o que sustentava algum equilíbrio em meio ao sofrimento. Esses relatos mostram como ainda existe uma demanda por escuta respeitosa, capaz de reconhecer a espiritualidade como parte constitutiva da vida.
Quando o paciente teme ser julgado ao falar de suas convicções, tende a omitir aspectos essenciais para o cuidado integral de sua saúde física, psicológica e social. Já quando o profissional demonstra interesse por essa dimensão, abre espaço para uma escuta mais atenta e para uma compreensão mais profunda da sua história.
É preciso superar preconceitos históricos ainda presentes na medicina, na psicologia, na enfermagem e em outras áreas. Questões espirituais também merecem ser estudadas com seriedade, pelo bem dos pacientes.
Uma oportunidade recente para acompanhar esse debate foi a sexta edição do evento “Conversas Difíceis”, realizada nesta segunda (13), no espaço Civi-co, em São Paulo, sob curadoria de Juliano Spyer, colunista desta Folha. A mesa reuniu o psiquiatra Alexander Moreira-Almeida e a psicóloga Marta Helena de Freitas, para discutir os limites e os preconceitos da ciência contemporânea em relação à espiritualidade, à fé e à ciência. Spyer também leu um texto feito para o encontro do jornalista Sérgio Dávila, diretor de Redação desta Folha.