É menino ou menina? – 15/10/2025 – Ciência Fundamental

Receber perguntas sobre o sexo do bebê é algo comum para as gestantes. Na nossa cultura, essa informação vai muito além da biologia: o sexo atribuído ao nascimento costuma orientar como a criança será socializada e reforça papéis de gênero.

Em humanos, a determinação do sexo depende dos cromossomos: o óvulo carrega um cromossomo X e o espermatozoide pode carregar o X ou o Y. Dessa combinação surgem, tipicamente, XX para mulheres e XY para os homens (embora existam variações). Assim, sempre se acreditou que a chance de nascer um menino ou uma menina seria equivalente ao lançamento de uma moeda, com 50% de probabilidade para cada lado.

No entanto, uma equipe de pesquisadores da Universidade Harvard levantou a hipótese de que essa moeda pode não ser imparcial, a partir da análise de registros de mais de 58 mil mulheres que tiveram dois ou mais filhos ao longo de seis décadas, totalizando mais de 146 mil nascimentos. A conclusão foi que a distribuição dos sexos não se encaixa perfeitamente em um modelo binomial, que pressupõe aleatoriedade completa, mas sim em um modelo “ponderado”, chamado beta-binomial. Nesse caso, cada família teria uma propensão particular para ter filhos de um determinado sexo, como se a moeda estivesse ligeiramente “viciada”.

A análise mostrou, por exemplo, que uma família com três meninos teria 61% de chances de ter um quarto menino, enquanto aquela com três meninas teria 58% de chances de repetir o padrão. Dentre os fatores investigados, apenas a idade materna acima de 28 anos no primeiro parto apresentou associação positiva, aumentando a probabilidade de ter filhos de um único sexo.

Além disso, em uma amostra de quase 3.000 mulheres do estudo, a análise genética identificou variantes (SNPs) associadas aos genes NSUN6 e TSHZ1 que podem estar envolvidas na determinação sexual, embora até o momento eles não tenham papel conhecido na reprodução.

Os resultados não permitem inferir os mecanismos responsáveis pela maior propensão de uma mulher ou casal ter filhos de um ou outro sexo, mas alguns fatores femininos são levantados. Por exemplo, a acidificação do pH vaginal ao longo dos anos poderia favorecer a sobrevivência de espermatozoides que carregam o X, que são um pouco mais resistentes.

Apesar de o estudo ser de alto impacto e inovador, ele apresenta algumas limitações. A amostra foi composta quase exclusivamente de mulheres brancas dos Estados Unidos e não avaliou fatores paternos. Outro ponto crítico são fatores culturais como o chamado “viés de parada”: famílias que têm filhos do mesmo sexo podem continuar tentando outro, o que cria a impressão da “moeda viciada”.

Mais do que uma resposta definitiva, os novos dados contribuem para a questão da aleatoriedade da determinação sexual em humanos, um dos dogmas mais consolidados da biologia reprodutiva. Investigações futuras, envolvendo diferentes populações e considerando fatores paternos, serão fundamentais para esclarecer se o sexo é realmente aleatório ou carrega vieses individuais.

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Autoria: FLSP

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