Câncer de mama: Como lidei com a doença aos 33 anos – 25/10/2025 – Equilíbrio e Saúde

Ironicamente, descobri um câncer de mama no Outubro Rosa do ano passado, aos 33 anos. Uma mamografia, pedida por excesso de zelo da minha ginecologista —não tenho histórico familiar da doença e não tinha sintomas—, mostrou um nódulo com tanta cara de câncer que a biópsia veio só para confirmar o que já parecia certo pelas imagens.

Não tive nem vontade nem oportunidade de entrar em negação. Tal qual o filme da Barbie, tinha cor-de-rosa por todos os lados.

No elevador do meu prédio, um cartaz da campanha me encarava toda vez que descia para pegar um sushi que tinha pedido para me consolar do diagnóstico. Até email do plano de saúde eu recebi, incentivando a fazer os exames preventivos —os mesmos que já estava fazendo, como o próprio plano sabia muito bem. Amigos publicitários, vocês não deveriam evitar esse tipo de situação?

Sou uma firme defensora de que cada um lide com seu câncer como bem entende. Só o paciente conhece suas feridas e as ferramentas que quer usar nesse momento. Eu escolhi fazer isso com pé no chão, braveza, terapia e alguma dose de bom humor.

A primeira consulta com meu oncologista foi duríssima. Duas horas de uma explicação detalhada sobre como minha vida mudaria completamente dali para frente, num longo protocolo para tratar meu câncer agressivo, do tipo triplo positivo. Na ordem: congelamento de óvulos, cirurgia para colocar um catéter, quimioterapia, cirurgia na mama, radioterapia, bloqueio hormonal.

Sim, o cabelo iria cair. “Mas doutor, não daria para aproveitar o catéter e botar, junto com as medicações, a tintura que eu uso no cabelo, para ele já nascer ruivo quando voltar?” Não dava, infelizmente. O cabelo voltou grisalho.

Meu médico é absolutamente incrível e, sem demagogia, salvou minha vida. Porém, às vezes deixa um pouco a desejar na sensibilidade.

Quando perguntei o que poderia esperar em termos de aparência física caso precisasse fazer uma mastectomia bilateral (ou seja, remover as duas mamas), aproveitando a deixa de piadas que eu abri, ele devolveu a pergunta, “O que você acha da Angelina Jolie?”. Eu: “Acho que faz tempo que não a vejo pelada”.

Naquela mesma semana, só por precaução, pedi à minha amiga com os seios mais bonitos a garantia de que ela me deixaria usá-la como modelo caso necessário. Acabei fazendo uma operação bem mais simples e conservadora, e continuei com os mesmos peitos de antes.

Outra amiga se ofereceu para me fazer companhia e raspar os cabelos quando os meus caíssem. Recusei veementemente. Tinha certeza que ela ficaria muito melhor do que eu careca. De fato, quando chegou o ponto de perder as sobrancelhas (a químio fez cair todos os pelos do corpo), fiquei meio parecida com o Nosferatu.

As mudanças não foram só do lado de fora da cabeça. Uma matéria recente da Folha falou sobre o “chemobrain”, como são conhecidos os efeitos neurológicos do tratamento. O texto descreve os sintomas como leves. Eu descreveria como a completa inabilidade de absorver qualquer conteúdo senão o mar de bobagens que é o feed do Instagram. Meu parceiro pedia para que eu ao menos, por favorzinho, trocasse de tela e fosse ver televisão, ao que eu respondia com um rosnado e voltava a olhar o celular.

Eu até mesmo passei a seguir perfis de memes sobre câncer, que brincam com coisas como: como saber até onde vai o ato de lavar o rosto quando se é careca? Além disso, dão dicas para pacientes recém diagnosticados, ajudando a validar os sentimentos tão confusos desses primeiros meses de forma leve e acessível.

Talvez acima de qualquer coisa, o câncer testa a paciência —uma virtude pela qual eu não sou conhecida. A náusea da quimioterapia durava dias, a exaustão incessante se multiplicava conforme o tratamento avançava. Os processos são longos, numerosos, infinitamente chatos e repetitivos.



O câncer de mama é muito cretino. Ele muda sua vida, sua percepção sobre o seu corpo e sua feminilidade

Lidar com atendimento de plano de saúde, por si só, já é uma dor de cabeça. Imagina quando a sua vida literalmente depende de alguém entender que, sim, você tem direito a uma mamografia digital com menos de 40 anos de idade, mesmo sem histórico familiar, porque você está, nesse exato momento, tratando um câncer de mama. “Minha senhora, eu SOU o histórico familiar, vai por mim.”

Minha psicóloga oncológica riu alto quando relatei essa interação enlouquecedora e descrevi a atendente como “desinteligente”. Ela também adotou um termo que usei desde o início para descrever a doença: cretina.

O câncer de mama é muito cretino. Ele muda sua vida, sua percepção sobre o seu corpo e sua feminilidade.

Hoje, um ano depois do meu diagnóstico e já em remissão, eu sou outra pessoa. Nem melhor nem pior, mas diferente em modos que ainda estou descobrindo quais são.

É doloroso, de certa forma, porque eu gostava de quem era antes. Ao mesmo tempo, aproveito os cabelos curtinhos para fingir ser muito mais descolada do que sou de fato —meu estilo foi até elogiado por integrantes da geração Z, o auge do prestígio.

Ilustrando como mesmo as tempestades mais difíceis passam, escrevo esse texto durante uma intensa viagem a trabalho para a Austrália. Na quarta-feira (22), ao chegar a uma mina de ferro no meio do outback, um dos pontos mais isolados do país, fui surpreendida. Ao lado dos escritórios da mineradora, lá estava ele: um imenso laço cor-de-rosa.

E você, já marcou a sua mamografia?

Autoria: FLSP

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