O câncer de mama e seu tratamento impactam profundamente a vida sexual das mulheres. De acordo com a Sociedade Americana de Oncologia Clínica, até 90% das pacientes enfrentam algum tipo de disfunção sexual depois do tratamento, que passa por queda da libido, dor durante as relações e alterações na autoimagem.
Foi esse último aspecto que marcou Marcôndia Araujo de Souza, 49. Ela recebeu o diagnóstico de câncer de mama em janeiro de 2024 e teve que realizar quimioterapia e uma mastectomia total do lado esquerdo.
O câncer retornou no local da cirurgia e, depois, gerou mestástase no fígado. A queda do cabelo e outras mudanças físicas a abalaram, e sua vida sexual e relacionamento também foram afetados.
Casada há 17 anos com uma mulher, Marcôndia descreve uma mudança drástica na intimidade. “Fiquei com vergonha. Tenho ainda muita vergonha. Trocava as roupas na frente dela e hoje em dia eu não faço isso”, diz. Ela afirma que a dinâmica entre elas acabou se transformando em uma relação de amigas — uma decisão que partiu de Marcôndia, apesar do constante apoio da parceira.
Durante o tratamento, ela diz que os médicos não falaram sobre os impactos que o câncer poderia ter sobre sua vida sexual. Ela acha que tirar dúvidas poderia melhorar sua qualidade de vida, mas não se sente à vontade. “Eu fico muito com esse pensamento, às vezes, de perguntar sobre se pode, se não pode…”, afirma.
Para Sandra Cristina Scalco, ginecologista e secretária da comissão nacional especializada em sexologia da Febrasgo (Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia), o tema é invisibilizado pelos profissionais de saúde. Essa lacuna estaria presente no treinamento desses profissionais e também nos estigmas da sociedade.
“Pacientes que passam por uma situação de câncer deveriam fazer uma intervenção precoce nesse sentido porque já se sabe que a curto, médio e longo prazo essas pacientes têm um pior prognóstico quando não é abordado o tema”, diz.
A ginecologista defende que a sexualidade deve ser abordada dentro de um contexto biopsicossocial, envolvendo fatores biológicos, como cirurgia e medicamentos; psíquicos, como a autoestima; e sociais, como a parceria e o repertório sexual da paciente.
Tiana Dias, 45, diz que o tratamento tornou sua vida sexual complicada. Casada há 25 anos, o companheirismo do marido foi fundamental durante o processo —ela trata um câncer de mama metastático desde 2021.
Apesar de sua médica abordar o tema da sexualidade, ela afirma que ainda tem vergonha e sente dificuldade de ter informações acessíveis. Além disso, fala sobre uma certa hierarquia de aflições que impedem que esse tema seja trazido à tona. “São tantas preocupações que o sexo a gente deixa bem lá por último”, diz.
“Na maioria das palestras que eu vou hoje, sexualidade é um assunto, mas as mulheres ainda têm vergonha. A gente sente vergonha de chegar para o médico e falar: ‘Olha, e como que fica essa questão do sexo?'”
A fisioterapeuta Luciana Mesquita, 50, afirma que sentiu impactos significativos em sua sexualidade, entre eles fadiga e falta de desejo, menopausa induzida e agravada pela medicação anti-hormonal, ressecamento vaginal e dificuldade para atingir o orgasmo.
“Coisas que davam certo, ou seja, que te davam prazer, que te faziam ficar mais envolvida e animada com o sexo, passam a não funcionar mais”, diz. Diante disso, ela percebeu como foi importante ter conversas sinceras com seu parceiro. “O casal tem que se redescobrir. E os dois têm que estar dispostos a isso. O diálogo é fundamental.”
Com o aumento da sobrevida das pacientes com câncer de mama, é crucial melhorar a qualidade de vida —e isso envolve a vida sexual, afirma Stany de Paula, médica do Cancer Center Oncoclínicas, em Nova Lima, Minas Gerais. “Existe uma necessidade de educar os médicos, os farmacêuticos, as enfermeiras, toda pessoa que passa por essa paciente, para que a gente diminua essas barreiras culturais”, diz.
De Paula também fala sobre a importância de dar permissão e escolhas à paciente, ouvindo suas dificuldades e informando sobre as opções de tratamento, que vão desde lubrificantes e fisioterapia pélvica até medicações. “A gente precisa melhorar a qualidade de vida dessa paciente e essa qualidade de vida passa pela vida sexual dela. Então é importante integrar o oncologista com a sexualidade e com a saúde sexual.”
A Oncoclínicas utiliza o protocolo de atendimento baseado no modelo Plissit, sigla em inglês para Permissão, Informações Limitadas, Sugestões Específicas e Tratamento Intensivo. Isso significa falar com a paciente abertamente sobre sexo, sem julgamentos, e oferecer informações claras, além de medidas personalizadas. “Quando a gente fala com a paciente que a gente precisa normalizar essa conversa sobre sexualidade, eu vou trazer pra ela um alívio, muitas vezes, de que aquilo tem solução.”