A expectativa de vida global aumentou, as taxas de mortalidade estão caindo, mas entre adolescentes e adultos jovens elas estão mais altas e já se configuram uma crise emergente no mundo.
Na América do Norte e América Latina, o aumento das mortes de jovens é atribuído ao suicídio e ao consumo de álcool e outras drogas. Na África Subsaariana, às doenças infecciosas e lesões não intencionais. Os números do Brasil ainda não foram destrinchados.
Os dados constam no mais recente relatório Global Burden of Disease (GBD), publicado neste domingo (12) na revista científica The Lancet e apresentado na Cúpula Mundial da Saúde, que acontece em Berlim, na Alemanha. O trabalho é o maior e mais abrangente estudo global que quantifica a mortalidade e as incapacidades em diferentes países e ao longo do tempo.
Liderado pelo Instituto de Métricas e Avaliação em Saúde (IHME) da Escola de Medicina da Universidade de Washington, conta com uma rede de 16,5 mil pesquisadores que coletaram dados entre 1990 e 2023. Foram consultadas mais de 310 mil fontes de dados.
Entre adolescentes e adultos jovens, o maior aumento nas mortes devido a suicídio, overdose de drogas e grandes quantidades de álcool foi registrado na faixa etária de 20 a 39 anos na América do Norte.
Segundo o pesquisador Damian Santomauro, professor assistente do IHME, há também piora sem precedentes da saúde mental de adolescentes e jovens entre 15 e 19 anos, com aumento de casos de depressão e ansiedade. “Globalmente, os casos de ansiedade aumentaram quase 70% desde 2010, e os de depressão, quase 30%.”
Para ele, é possível que essa alta esteja associada às redes sociais, mas ainda é preciso mais estudos para estabelecer a relação de causa e efeito.
“Para depressão e ansiedade, temos fatores de risco conhecidos, como bullying, violência doméstica e sexual contra crianças, mas as tendências temporais para esses fatores de risco não se alinham com a prevalência de desordem mental. O que me faz pensar que algo mais está acontecendo aqui”, disse à Folha.
De acordo com a epidemiologista Ethel Maciel, ex-secretária de Vigilância em Saúde do Ministério da Saúde, no Brasil essa alta pode estar subnotificada porque depende da qualidade do preenchimento dos dados e da sensibilidade do profissional de saúde em fazer a notificação.
O estudo global mostra ainda que o número de mortes infantis diminuiu mais do que em qualquer outra faixa etária. O Leste Asiático registrou a maior queda: 68% entre menores de cinco anos devido a melhor nutrição, vacinas e sistemas de saúde mais fortes.
Já na África Subsaariana houve aumento da mortalidade em crianças de 5 a 14 anos impulsionado por altas taxas de infecções respiratórias e tuberculose, outras doenças infecciosas e lesões não intencionais.
Entre as mulheres de 15 a 29 anos, as taxas de mortes subiram 61%, principalmente devido à mortalidade materna, lesões nas estradas e meningite.
“Décadas de trabalho para fechar a lacuna em regiões de baixa renda com desigualdades persistentes na saúde correm o risco de se desfazer devido aos recentes cortes na ajuda internacional“, afirmou Emmanuela Gakidou, autora sênior e professora do IHME.
“Esses países dependem do financiamento global da saúde para cuidados primários, medicamentos e vacinas que salvam vidas. Sem isso, a lacuna certamente aumentará.”
De acordo com o estudo, as doenças não transmissíveis foram responsáveis por quase dois terços do total de mortes e incapacidades do mundo. As três principais causas foram doença cardíaca isquêmica, AVC (acidente vascular cerebral) e diabetes.
Os pesquisadores estimam que quase metade de todas as mortes e incapacidades poderiam ser evitadas modificando alguns dos principais fatores de risco, como reduzir níveis elevados de glicose no sangue e de índice de massa corporal (IMC).
Segundo Christopher Murray, diretor do IHME e coordenador do estudo, as evidências apresentadas são um alerta para que líderes governamentais e de saúde respondam de forma rápida e estratégica às necessidades de saúde pública.
“O rápido crescimento do envelhecimento da população mundial e a evolução dos fatores de risco deram início a uma nova era de desafios globais de saúde”, disse.
De acordo com a pesquisadora Isabela Benseñor, professora associada da Faculdade de Medicina da USP e coordenadora de um grupo colaborador no GBD no Brasil, à medida que as pessoas vivem mais, ficam expostas a fatores de risco por mais tempo.
“Antigamente a pessoa infartava aos 60 anos e morria. Hoje, ela sobrevive, mas, se não cuida da hipertensão, fica sujeita a outras doenças, como AVC e doença renal.” Para ela, o Brasil tem desafios adicionais porque, além de lidar com a alta de doenças crônicas, enfrenta carga das doenças infecciosas e das causas externas, como acidentes e outras violências, que afetam os mais os jovens.
A expectativa de vida global voltou aos níveis pré-pandemia de Covid: 76,3 anos para mulheres e 71,5 anos para homens —20 anos a mais em comparação com 1950.
Apesar do progresso, as desigualdades geográficas permanecem gritantes, com a expectativa de vida variando de 83 anos, em regiões de alta renda, a 62 anos na África Subsaariana.
As mesmas disparidades são observadas na idade média global de morte. Nas regiões de alta renda, as mulheres morrem, em média, com 80,5 anos, e os homens, com 74,4 anos. Já na África Subsaariana, a média é de 37,1 anos para mulheres e 34,8 anos para os homens.
Mortes por doenças não transmissíveis têm alta
Sobre causas de morte, o trabalho reforça que elas estão mudando de doenças infecciosas para doenças não transmissíveis (DNTs), criando novos desafios globais de saúde, principalmente para países de baixa renda.
Depois de se tornar a principal causa de morte em 2021, a Covid caiu para o 20º lugar em 2023. A doença cardíaca isquêmica e o acidente vascular cerebral voltaram ao topo, seguidos por doença pulmonar obstrutiva crônica, infecções respiratórias inferiores e distúrbios neonatais.
Quase metade da mortalidade e morbidade globais em 2023 foi atribuída a 88 fatores de risco modificáveis, entre eles pressão arterial sistólica elevada, poluição por material particulado, tabagismo, glicose, colesterol LDL e IMC (Índice de Massa Corpórea) altos e exposição ao chumbo.
Novos métodos de modelagem do GBD para exposição ao chumbo, o 10º principal risco, também revelaram uma ligação direta com doenças cardiovasculares.
De acordo com o estudo, a remoção de chumbo do combustível contribuiu para declínios substanciais na exposição ao longo dos anos, mas ainda é um contaminante ambiental comum que pode ser encontrado em tintas de edifícios mais antigos, solo contaminado, água, especiarias e muitos utensílios de cozinha.
A jornalista viajou a Berlim a convite da Vital Strategies